Já lá vai um par de semanas. Ouvia na Rádio Lafões uma reportagem sobre a actuação do “conjunto musical”(sic) Alafum. Um belo momento. O locutor, a jeitos de patriota, lá começou a peça dizendo que o espectáculo tinha sido uma coisa linda, com sensibilidade estética e de grande interacção com o público. No fim, hesitante, referiu apenas um pequeno detalhe: não havia público. Pormenores. Não posso sequer garantir que aquilo tenha sido assim à socialista, com entradas à borla, mas suspeito. Seja como for, lá apareceram nos microfones da rádio, visivelmente abatidos, um senhor dos Alafum e o nosso vereador da cultura para tentarem esboçar uma explicação para o sucedido. O senhor dos Alafum era um optimista por natureza. A grande razão para a ausência de plateia, dizia com confiança, era o facto de a banda já ser muito conhecido nestes lados. Faz sentido o argumento. Os Beattles não deviam encher os pubs de Liverpool nem os GNR encheram há 1 mês o coliseu do Porto. Já o nosso vereador teve de puxar um pouco mais pela cachimónia para explicar a falta de receptividade. Dizia ele que os Sampedrenses ainda não têm o hábito de ir ao cine-teatro e o que é preciso é “criar públicos” para que as moscas não sejam as únicas espectadoras em organizações futuras. O velho mito da democratização da cultura. Abre-se um cine-teatro, “criam-se” os públicos e é ver, de um dia para o outro, o agricultor e o vendedor de gado a apreciar os eruditos espectáculos que, apenas por falta de hábito, não tinham o prazer de frequentar. Simples. E demagógico. Uma coisa prática, esta do “criar públicos”. Um gajo quer montar um negócio e não tem clientes? Fecha. Quer escrever um livro mas ninguém o lê? Não o editam. Tem um grupo de ranchos e canto tradicional que ninguém ouve? Fácil, basta “criar públicos”.
Perante o discorrer de tão complexos argumentos, custa me é acreditar que não tenha passado, nem por um segundo, pelas cabeças destes grandes educadores das massas que a ausência de público nos Alafum se possa dever ao facto do conjunto poder ser, simples e prosaicamente, uma bela merda. Fica para a próxima.