Uma experiência terrível. Já mentalizado que ia abdicar do meu café no Roquivárius e da noite dos 80’s no Act (by the way, qualquer dia sai post sobre a boîte), fui ontem à assembleia de compartes dos baldios de Carvalhais que decidia a possibilidade de instalar novo parque eólico na serrania da freguesia. No que eu me fui meter. Quatro horas de cheiro a sovaco e a vinho Americano ensanduichado entre cantoneiros e campónias com buço. Nunca me tinha visto com tanto burro junto. E eu que já entrei na casa do Benfica, passei tardes em Figueiredo de Alva e até já arrisquei um café no Tropical. Assustador.
Assustador mas também enriquecedor. Até ontem, era um adepto fervoroso das experiências de democracia directa. Com os olhos postos nos States e no Reino Unido, sempre julguei que a coesão de pequenas comunidades, os seus pequenos interesses egoístas e a proximidade com os problemas domésticos fossem razões mais que suficientes para assegurar uma intermediação rápida, directa, sensata e responsável entre o cidadão e o poder. Azar do caralho. É o que dá não ler o Tocqville com olhos de ler. Esqueci-me de pequenos pormenores que o aristocrata Francês refere como, por exemplo, o facto dos States não terem campónios ignorantes que vivem sob o guarda-chuva do Estado ou de existir no Novo Mundo uma certa noção de Aristocracia Mentale que neste Portucale é coisa que não vale. Tudo premissas necessárias para que a jigajoga funcione. Ou como se diz por cá, para que haja um “normal funcionamento das instituições”.
Ora não sendo Carvalhais um simpático condado de Filadélfia, o que se tinha ali ontem naquela experiência de “power to the people”, era apenas multidão. Gente. Gentinha. Gentalha. Turba. Turbilhão. Gado. Gentalha que, sim senhora, sabe discutir futebol e outros coisas que envolvam paixão, senso comum e dispensem lógica aristotélica mas que já fica a queimar neurónios para perceber o que é o goal average.
Imagine-se, portanto, a maltósia a discutir eólicas. Custos? Benefícios? Contrapartidas? Danos paisagísticos? Pois, está bem. Isso é coisa para doutores e engenheiros, grunhiam em uníssono um picheleiro bêbedo e um sardinheiro senil. Doutores e engenheiro que, fiquei a saber, neste momentos de igualdade momentânea, o povo tem especial prazer em confrontar e tratar por igual. Como é óbvio, durante os restantes dias do ano, continua a subserviência do costume(“ como está sôtor”, “ era por causa do meu filho, sôr engenheiro”).
Também especialistas em psicologia das multidões - ou o Hitler ou o Mussolini -haviam de gostar de presenciar assembleias de compartes. Era o voto de braço no ar , variável e mutável consoante a dinâmica criada, ou a vaia ou o berro que aumentava de volume quando um grunho mais exaltado dava o mote. Pavloviano. O que foi Darwin fazer às galápagos para estudar a bicharada? Uma ida a uma assembleia de compartes chegava-lhe para provar que a espécie humana descende dos macacos.
Mas não se julgue que estas reuniões se resumem a actos instintivos e animalescos. Não. Há momentos quase litúrgicos. Descobri que a turba tem uma relação sagrada com aquilo a que ela chama a “obra”. Um espécie de revelação divina com reminiscências pagãs. Tal como com Deus, o bom povo não lhe consegue captar a sua total essência. Não a sabe explicar mas acredita - oh se acredita - piamente na “obra”. Eles querem “obra” seja lá ela uma estrada para um ermo ou um fontanário ao pé do rio. É que se Nosso Senhor lhes abre as portas do paraíso, a “obra” dá-lhes, ouvi eu, o “progresso”. Uma verdadeira epifania.
Mas é óbvio que ignorância e psicologia não podem explicar tudo. É certo que Carvalhais tem o Vilarinho, o João do Cachamuço e a malta do PS que, todos juntos, davam para organizar o Labrego love to Dance 2007 e ainda fundar um núcleo do Bloco de Esquerda. Mas que porra, apesar de consciência de classe, os grunhos não têm especial apetência por energias renováveis nem possuem ímans intra-estomacais que os une sempre que há um ajuntamento. Coincidência ou não( é claro que não), 2/3 daquela gente eram Robots Adrianux STPX 2007, versão 3.4: a professorita com cunha, o canalizador bebedolas, o gajo do rendimento mínimo que trabalha no centro, o licenciado em engenharia do papel que está na contabilidade, mulherzinnhas da cantina e outros autómatos.
Com tal arregimento, ainda que com alguns a chatear com conversa de “doutor e engenheiro”, o professor decidiu resolver a coisa pela socapa. Preferiu não por lá as patinhas. Sem dignidade nem tomates para tomar partido na contenda que criou. Como é óbvio, as eólicas passaram.
Três palavras bastavam para dar voz à trailer deste filme: Ignorância, multidão e Tacho. Numa Assembleia perto de si. Espere-se, no entanto, pelas próximas sequelas. Normalmente as comédias têm um final feliz.